A Humildade Na Arrogância Do Conhecimento – Parte I

Nunca fui grande aluno. Era o típico carapau de corrida que estudava nos dias anteriores aos testes e me perguntava como era possível tirar negativas, e os 10 quando apareciam eram vitórias dignas das batalhas dos 300, porque era positiva, logo podia jogar descansado sem pensar no peso que carregava aos ombros de saber que de futuro essa mentalidade me iria morder no rabo.

Quando finalmente cheguei à universidade decidi que tinha de mudar esta postura perante os estudos e apliquei-me o máximo que pude, especialmente à programação, e dou grande parte dessa entrega ao professor Rui Neves Madeira que na primeira aula disse algo como “estudem porque se não perceberem no início vai ser muito difícil recuperarem mais tarde”.

E assim o fiz. Programava praticamente todos os dias, incluindo fins-de-semana, fazia projetos aqui ali acolá, lembro-me de férias que passava a inventar projetos, mas que infelizmente nunca os acabava. Tinha sempre a tusa de fazer a parte mais difícil e o resto parecia-me simples demais. Lembro-me que na altura o projeto que avancei mais foi um gestor de filmes (porque tinha imensos em casa) usando a API do IMDB para me puxar a informação consoante o nome do filme. Coisa simples, mas que para quem estava a aprender era engraçado e extremamente motivante.

Apaixonei-me por programação, tornou-se uma companhia, e principalmente um motivo de orgulho pois sentia que era bem sucedido em algo que também era matéria, e o entusiasmo que tinha em receber projetos era notável porque o maior gozo que me dava era sair da aula na qual tinham dado os requisitos do projeto e ficava a analisar, na minha cabeça já tinha mais ou menos o projeto estruturado e ia para casar começar a trabalhar.

Na altura chegava a fazer quase noitadas a trabalhar nos projetos, que fazia juntamente com o meu melhor amigo, só que eu era demasiado rápido e grande parte das vezes já o projeto ia num estado mais avançado e ele sentia a frustração de não conseguir acompanhar. Foi uma conversa dura na altura, mas senti que precisava de abrandar um pouco o ritmo para também ele poder acompanhar e fazer dos projetos. Eu não era melhor do que ele por ser mais rápido, não era mais do que ele por ter um entusiasmo maior em ter a gula de querer planear o projeto mal saía da aula, eu era meramente mais impulsivo pois faz parte de quem sou.

Ele era um aluno brilhante, tirava notas muito altas, e felizmente complementávamo-nos muito bem pois ele era superorganizado, coisa que eu nunca fui, era muito bom com documentação, coisa para a qual eu era péssimo e deixava sempre para a última, e acima de tudo ele tinha paciência para testar as aplicações. Portanto após a conversa, comecei por abordar o tema de como conseguir coordenar a minha impulsividade com o seu passo mais organizado, e pouco a pouco fomos ganhando um ritmo de projeto que permitia haver a sua participação, e também me permitia não roubar a sensação de que eu queria fazer tudo sozinho, enquanto também me ia permitindo ter mais tempo para as outras cadeiras.

Quando entrei no mundo de trabalho o cenário mudou. Eram pessoas com personalidades muito diferentes, uns com mais ganância de conhecimento e com a mentalidade de “ninguém pode saber mais do que eu”, outros sem tempo, outros sem vontade sequer de qualquer tipo de comunicação, e outros que ensinavam, mas tinham o nariz tão empinado que pareciam que andavam no ginásio a fazer agachamentos às narinas. Para mim isso foi um choque.

Saí da universidade com consciência de que era uma pessoa muito apaixonada pela área, disposto a aprender qualquer linguagem, qualquer metodologia, fosse o que fosse, porque tinha, felizmente, consciência de que eu era um rebento ali no meio de malta que tinha algo que eu não tinha: experiência profissional. Porque sejamos sinceros, na universidade somos todos o Thor, mas como funciona pensamos que somos os maiores! Podemos ir descansar e começar a pensar em passar a noite com a Mia Khalifa…

Ao longo dos anos tanto fui mestre como aprendiz, e dou valor a mim próprio de nunca ter tido a postura de “eu sei mais do que tu” dando azo a que mostrasse uma postura arrogante que afastasse quem quisesse ensinar. Estive lado a lado com colegas com bastante mais experiência do que eu e como era mais forte em quick-fixes então vinham ter comigo para lhes safar algum bug urgente, mas quando se tratava de arquitetura muita vez tinha eu de recorrer à sua sabedoria.

Ainda me recordo dos tempos em que trabalhava com SQL, e eu era honestamente um macaco da programação, e muitas das vezes pedia code reviews a certos colegas que sabia que percebiam muito mais do assunto do que eu, e até cheguei a programar lado-a-lado com 2 dos meus chefes que só se riam com o meu SQL mas depois me felicitavam pelo C#, então havia ali um certo ying yang onde tanto me desmotivava por ser mau numas coisas como sendo melhor noutras.

Filipe Picoito
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